Receita da sopa dourada de Eça de Queirós

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Machado de AssisMachado de AssisNível: 2 Machados que valem a pena!

A receita de hoje está no livro “A cidade e as serras” de Eça de Queirós. Eu me lembro que a primeira vez que eu li este livro foi porque ele era leitura obrigatória de alguma das universidades que eu queria entrar. Lembro também que não gostei. Achei chato, tedioso e difícil de ler. Sempre preferi “O Primo Basílio” ou “O Crime do Padre Amaro”. Dia desses resolvi dar mais uma chance para o último livro do autor português. E o que aconteceu? Eu gostei!

A Sopa Dourada era uma das sobremesas favoritas do escritor português

Os livros são assim, né? A história depende de uma série de fatores para te encantar, o seu estado de espírito no momento, a fase que você está vivendo e maturidade. Acho que foi isso que me faltou quando eu li a obra pela primeira vez, maturidade.

O que aconteceu foi que logo no início eu me deparei com uma receita um tanto inusitada: Sopa Dourada.

O que raios é isso?

Receita de Sopa DouradaA sopa dourada

Você provavelmente já deve conhecer a história de “A cidade e as serras”. Mas vou fazer um rápido resumo: A história é narrada por José Fernandes, que conta a história de seu amigo Jacinto. O enredo se desenrola em Paris numa época em que Paris era considerada o centro do mundo, o grande modelo contemporâneo. (Eu já escrevi sobre isso quando dei a receita da Cocada de Machado de Assis, lembra?).

O dilema campo x cidade é retratato ao contar que Jacinto, homem da cidade grande, deve voltar a Portugal depois que a igreja onde seus avós estão enterrados é destruída por uma tempestade. Ele pede para reconstruir a igreja, mas precisa voltar até a cidade da sua família. Em Paris, Jacinto é um homem adoentado, que anda encurvado e começa até a ter uma pequena corcunda. A vida dele muda ao chegar no campo, a saúde melhora e até encontra um novo amor.

E então você me pergunta, mas e a sopa dourada? A receita aparece ainda no início do livro, quando José Fernandes volta a Portugal, em Guiães, no Douro. O seu tio Afonso acaba de mandar uma carta pedindo que ele retorne e aproveita para contar como vão as coisas nas terras de lá. Entre as novidades está o aniversário de trinta e seis anos de casamento dele com a tia Vicência e, para a ocasião, ela está fazendo sopa dourada. José Fernandes toma alguns momentos para si e lembra da sopa dourada. “Deitado numa acha ao lume, pensei como devia estar boa a sopa dourada da tia Vicência. Há quantos anos não a provava, nem o leitão assado, nem o arroz de forno da nossa casa”, ele diz.

Ele decide voltar, enche a mala com as calças, peúgas e um Tratado de Direito Civil para aprender as leis que regem os homens. Ele avisa Jacinto que está voltando para o campo e o amigo diz horrorizado, afinal, sair da civilização? “Para Guiães? Oh, Zé Fernandes! Que horror!”. Zé Fernandes relembra o momento em que o amigo o levou ao trem: “A mágoa conviria excelentemente ao meu funeral”.

Ao chegar em Guiães, ele parte correndo para provar a iguaria de Tia Vicência. “Comi com delícias a sopa dourada”

E assim ele decide ficar e passam-se sete anos até ele retornar a Paris para encontrar novamente o amigo Jacinto.

Curiosidades

Eça de Queirós

O romance foi publicado em 1901, um ano depois da morte de Eça de Queirós, e é considerado uma espécie de reconciliação dele com Portugal, pois em suas obras ele criticou muito o seu país. A história tem muito de autoral, pois ele mesmo viveu em Paris durante 12 anos enquanto foi cônsul de Portugal.

Confesso que li o texto e pensei: Sopa Dourada? E imaginei uma sopa salgada. Acontece que ao pesquisar sobre o prato descobri que não é nada disso e trata-se de uma receita de sobremesa, uma espécie de rabanada coberta por um creme feito com ovos, açúcar e canela.

Eu estive em Portugal no ano passado, só conheci Lisboa e Porto e foi suficiente para amar a terrinha. E o melhor de tudo, a infinidade de receitas feitas à base de ovos. Naquela época eu ainda não pensava em fazer este blog e perdi a oportunidade de conhecer a tradicional Sopa Dourada da Igreja de Santa Clara, que fica em Porto. Mas fica aqui a dica para quem viajar para lá.

O escritor Eça de Queirós é conhecido por ter sido um gourmet. Ele adorava comer e sempre colocava suas impressões gastronômicas em seus livros. E eu desconfio que ele era um apreciador de receitas à base de ovos, pois elas reinam em seu universo literário. (Eu vou fazendo aos poucos cada uma delas, não se preocupe, viu?). No entanto, a saúde debilitada do escritor o fazia viver com restrições alimentares. A escrita era uma forma que ele encontrou de realizar as suas vontades através dos personagens.

Um receita bem simples e doce, cheia de ovos, como os legítimos doces portugueses pedem

Ingredientes

A receita original pede amêndoas laminadas, mas eu improvisei e fiz com nozes. Ficou ótimo mesmo assim, mas as nozes deixaram a sopa mais escura. Ela ficou marrom e não amarela, como devia ser para fazer jus ao seu nome.

– 350g de açúcar
– 12 gemas de ovos
– 100 gramas de nozes picadas
– Fatias de pão de ló (Quanto baste)
– raspas de limão
– canela em pó

 Passo a Passo

Você pode comprar o pão de ló pronto, mas como o intuito é aprender a cozinhar, eu decidi fazer o bolo também. Então aqui vai a receita:

O pão de ló

– 4 ovos
– 4 claras em neve
– 2 xíc de farinha de trigo
– 1 1/2 xic de açúcar
– 1 colher de fermento em pó
– 1 xic de água fervente

Coloque as gemas com a água fervente e bata até subir espuma, junte o açúcar e bata mais. Vá acrescentando a farinha aos poucos, sem parar de bater. Bata por vinte minutos.
Junte o fermento em pó e as claras em neve e mexa com a mão, delicadamente. Coloque numa forma untada e polvilhada com farinha e deixe assando nos primeiros dez minutos em forno alto e os quarenta minutos restantes em temperatura média.

A sopa

Coloque o açúcar no fogo alto com um copo de água, deixe no fogo até o ponto pérola. Eu explico: o ponto pérola é quando o açúcar derrete e escorre na colher. Aliás, confesso que a internet está sendo uma linda ao me ajudar nesta história de reconhecer os pontos dos doces.

Corte o pão de ló em fatias e distribua numa forma. Molhe as fatias com o açúcar em ponto pérola. Mas cuidado para não usar todo o açúcar, tá?

Depois adicione ao açúcar que sobrou as raspas de limão e as nozes e deixe no fogo.

Bata as gemas dos ovos. Retire a panela do fogo para acrescentar as gemas. A dica é tirar a panela do fogo para que o creme não talhe. Depois de ter mexido o creme, retorne a panela para fogo.

Deixe engrossar e despeje o creme em cima das fatias de pão de ló.

Polvilhe canela em pó.

A família Moura aprovou a minha receita e ainda posaram feliz com ela

 Eu levei a sobremesa portuguesa para a família Oliveira e Moura, família com descendência portuguesa do meu namorado. Um teste e tanto! E parece que foi aprovada! Ufa! 

Só fica o aprendizado para a próxima vez: Pensar um pouco melhor na quantidade, porque um singelo pratinho desse não deu pra nada! rs