Nível: 2 Machados que valem a pena.
O tempo em São Paulo mudou. Está friozinho com chuva. Mesmo assim, decidi fazer a receita do sorvete de abacaxi que protagoniza o conto “O Sorvete” de Carlos Drummond de Andrade.
A história está no livro “Contos de Aprendiz”, que reúne memórias da infância do escritor passada no interior de Minas Gerais no começo do século 20.
O livro, lançado em 1951, é importante já que o autor escreveu poucos contos durante sua carreira.
(Se você não quer saber sobre a história, pula logo lá para a receita e mãos à obra!)
O sorvete:
Drummond conta que quando ele estava na escola só os domingos eram livres para divertimento, com a condição que estes acontecessem no intervalo entre a conclusão da missa das oito e os estudos das seis da tarde. Neste ínterim os alunos eram liberados para fazerem o que quiserem. Ele e seu amigo Joel planejaram o domingo com muita dedicação: andariam no parque, almoçariam na casa do tio e iriam ao cinema. No caminho, no entanto, os meninos passam em frente de uma confeitaria e se deparam com uma placa.
O seguinte trecho dá conta da surpresa:
"Encostado a uma das três portas da confeitaria, do lado da calçada, um quadro-negro propunha-nos os seguintes dizeres em giz branco: __ HOJE Delicioso sorvete de ABACAXI Especialidade da casa HOJE __ A inscrição emocionou-me intensamente, e dei conta a Joel de minha pertubação: - Você está vendo? Aparentemente, Joel não se deixara invadir pelo sortilégio das palavras. Sua superioridade! - "Delicioso sorvete de abacaxi..." Nunca tomei disso. - Eu também não, respondeu o fortíssimo Joel. Deve ser uma porcaria"
O pequeno narrador ainda tenta convencer o amigo a trocar o cinema pelo sorvete, mas Joel é categórico: O sorvete fica para semana que vem. É claro que até o final do conto o sorvete não sai da cabeça dos meninos, né? Durante o filme eles decidem deixar o cinema para lá e correr para a confeitaria. Ao pedir o sorvete, contudo, ele ficam decepcionados com aquela massa gelada “agressiva aos dentes”.
Curiosidade: Apesar de escrita na década de 50, a história do doce gelado aconteceu em 1916. Quase 100 anos depois da iguaria aparecer a primeira vez no Rio de Janeiro. Conta-se que em 1834 um navio desembarcou no Rio de Janeiro com mais de 200 toneladas de gelo encomendados por dois comerciantes para fazer sorvete. O gelo era misturado com frutas e vendido em horários determinados, pois, como derretia não poderia estar no cardápio o dia todo. Dá para imaginar as filas, não é?
Mas fiquei encucada. Com quase um centenário do doce, dá para aceitar que um jovem de 11 anos do interior nunca tivesse provado o sorvete já em 1916? E mais… odiar o doce? Bom, é claro que dá para aceitar. Afinal, estamos falando de uma época em que as novidades demoravam para se espalhar. Em São Paulo, por exemplo, o sorvete só começou a ser comercializado quase 40 anos depois de ter chegado ao Rio. Passei a última semana em Salvador com a família e visitei a primeira sorveteria da cidade, A Cubana. Sabe quando ela abriu as portas? Em 1930.
Enquanto eu preparava a receita, eu divaguei sobre o assunto com o meu pai. Ele nasceu em 1945 no interior de São Paulo e, segundo ele, ainda nesta época, as pessoas tinham medo de tomar sorvete por receio que a baixa temperatura desequilibrasse o calor interno. Além disso, o choque do gelado na boca não era algo com que as pessoas estavam acostumadas a experimentar. É natural que estranhassem a sensação a princípio.
Tal surpresa fica bem clara quando o narrador pede licença ao leitor para explicar a empolgação dos garotos: “Eles nunca haviam sentido na boca o frio de uma pedra de gelo”, mas ao provarem, o desencanto: “O sorvete era detestável, de um frio doloroso, do qual se excluía toda lembrança de abacaxi”.
Ingredientes
– 1 abacaxi
– 1 lata de creme de leite
– 1 xícara de açúcar
– 1 xícara de água
– 5 ovos
Passo a passo
Corte o abacaxi em cubinhos e o coloque numa panela junto com a xícara de açúcar e a xícara de água. Deixe cozinhar até o abacaxi virar um caldinho, quase como se tivesse derretido. Coloque-o no liquidificador e bata.
Bata as claras até ficar no ponto de neve. Eu nunca tinha batido claras e minha mãe me deu uma dica certeira: o ponto de neve é quando você vira a cumbuca e as claras não caem. Simples! Olha a foto!
Depois é só misturar o abacaxi com o creme de leite e por último as claras até ficar um creme homogêneo. Coloque no freezer para gelar.
Dica: Sirva o sorvete de abacaxi separadamente, em duas tacinhas de vidros (tais como no conto de Drummond) e raspas de limão em cima. Acho que o meu sorvete ficou muito melhor que o do conto. Mas, como saber, né?