Morangos com Creme de Mulherzinhas

“Sal em vez de açúcar e o creme está azedo!

Jo emitiu um grunhido e caiu para trás na cadeira, lembrando-se de ter dado uma última  rápida salpicada nos morangos com algo das duas caixas na mesa da cozinha, e não tinha colocado o leite na geladeira”.

Trecho de “Mulherzinhas”, de Louisa May Alcott.

 

O livro “Mulherzinhas”, de Louisa May Alcott é um registro histórico maravilhoso para entender o contexto por trás da vida da escritora. Além disso, a obra está recheada de menções à comida.

E é sobre isso que eu vou te contar hoje!

 

Louisa May Alcott e Mulherzinhas

Cena de “Adoráveis Mulheres”, adaptação cinematográfica de “Mulherzinhas”

Louisa May Alcott era uma garota americana muito à frente do seu tempo. E se você não sabe de qual tempo estou falando, é de meados do século 19, durante o período da Guerra Civil Americana, um conflito armado que aconteceu entre os estados do Sul e do Norte dos Estados Unidos, por causa das divergências sobre a abolição da escravatura.

Já nesta época, nós podemos dizer seguramente que Louisa era uma garota com veia feminista. Estamos falando de uma mulher muito à frente do seu tempo que lutava pelos direitos das mulheres. Era abolicionista, porque ela e a sua família chegaram a ajudar escravos a se esconderem. Suas prioridades eram cuidar da educação, se tornar uma grande escritora.

Só que o seu livro mais famoso, o “Mulherzinhas” é um romance infanto-juvenil que aborda o amor entre quatro irmãs e a paz doméstica. E sabe o que é mais interessante? Este é um tema que não agradou nem um pouco a Louisa.

Ela gostava mesmo era de escrever histórias de suspense, de aventura. Só se dedicou à “Mulherzinhas” porque o seu editor viu uma oportunidade de ganhar dinheiro escrevendo histórias para mulheres e, por isso, encomendou uma história mais leve e feminina.

Louisa torceu o nariz. Mas se dedicou a esta história semiautobiográfica, inspirada na relação dela com as irmãs.

O resultado saiu em dois meses. E em 1868 ela lançou este livro que conta a trajetória da família March. No ano seguinte, saiu a continuação da obra chamada The Good Wives. Hoje a maioria dos livros que você encontra para vender já uniu as duas obras em uma.

Antes de falar sobre a receita de hoje, quero te falar sobre o contexto por trás da obra que é muito importante para compreender a sobremesa que eu escolhi para fazer hoje.

Século 19 e as Mulheres

O século 19 tornou os papéis dos homens e mulheres mais definidos do que em qualquer outro momento da história. Nos séculos anteriores, era comum as mulheres trabalharem ao lado de maridos e irmãos nos negócios da família. Mas, conforme o século 19 foi avançando, os homens se deslocavam cada vez mais para seu local de trabalho – a fábrica ou escritório. Então, mas mulheres foram ficando reclusas em casa para supervisionar os deveres domésticos.

Por outro lado, era exigido das mulheres não só a tarefa de cuidar da família.  As meninas de classe média eram literalmente treinadas para serem o que aquela época considerava uma grande realização.  As meninas precisam aprender música, canto, desenho, dança, outras línguas.

Ou seja, a mulher dessa época precisava ser uma bibelôzinho. Entreter os convidados, saber como orientar os empregados, cuidar da família, se vestir bem.

Estou falando sobre o cenário geral, sobre a maioria das mulheres. Mas, é claro, que existiam aquelas que iam contra a maré. Em meados do século 19 o movimento sufragista ganha forças e muitas mulheres começam a se rebelar por condições igualitárias entre os sexos e direito ao voto.

E é justamente nesse grupo que a Louisa May Alcott se encaixa.

A escritora Louisa May Alcott

O pai dela era um professor e filósofo que tinha umas ideias meio malucas e não conseguia ganhar dinheiro com elas, então, a incapacidade de seu pai em sustentar a própria família, a tornou extremamente consciente da necessidade das mulheres serem financeiramente independentes. Ela mesma chegou a trabalhar como professora, costureira e governanta.

Em 1880, em Massachusetts, as mulheres conseguiram direito a voto em algumas questões e Louisa foi a primeira a se registrar e votar no conselho escolar. Na ocasião, ela disse:

“Acho que é pouco lógico dizer que, porque as mulheres são boas, elas deveriam votar. Os homens não votam porque são bons; eles votam porque são homens e as mulheres devem votar, não porque somos anjos e os homens são animais, mas porque somos seres humanos e cidadãos deste país ”.

É claro que toda essa consciência seria levada ao seu grande livro Mulherzinhas, não é?

Como eu disse lá no começo, ela se inspirou na relação com as irmãs para criar o enredo e deu a sua protagonista, Jo March, muito da sua própria história. Assim como Louisa, Jo também adorava ficção, não tinha interesse em se casar, não respondia às investidas do amigo Laurie e tinha o desejo de poder trocar de lugar com o pai e ir para a guerra.  A personagem chega até a dizer em uma passagem o seguinte:

“As mulheres têm ambição, e têm talento, bem como beleza. Estou farta de pessoas dizendo que o amor é tudo para o que uma mulher serve”.

Saoirse Ronan e Timothée Chalamet interpretam Jo March e Laurie

No entanto, ainda estávamos em pleno século 19. Então, quando o primeiro livro foi lançado, em 1868, Louisa recebeu muitas cartas implorando para que Jo se casasse com Laurie. Sobre isso, Louisa chegou a escrever em seu diário o quanto achava isso um absurdo. As meninas perguntavam apenas de casamento como se fosse o único destino para uma mulher.

E aí, ela faz uma coisa que eu considero brilhante. Como uma autora que precisava responder aos anseios de uma editora, não teria como ela não casar a Jo March. As heroínas dos romances do século 19 se casavam porque era uma influência muito importante.

Só que, quando ela volta com a segunda edição, chamada “The Good Wives” – que eu considero até irônica visto todo esse histórico que eu tô contando pra vocês, ela casa a Jo sim. Mas com quem?

Com um professor muito mais velho chamado Bhaer, que não tinha dinheiro e tampouco o charme comum dos grandes heróis dos romances do século 19.

Então, assim, era um protesto. Louisa casa sua protagonista com alguém nada convencional para mostrar que, mesmo que ela tivesse cedendo às convenções sociais, sua personagem ainda podia escolher por si só.

Bem, ao contrário de Jo March, Louisa nunca se casou. Quando sua irmã morreu, ela adotou sua sobrinha. Mas em 1888, a escritora morreu aos 55 anos de derrame deixando menina órfã aos 8 anos de idade.

Bem, mas, Denise, o que a comida tem a ver com essa história toda?

Você se lembra quando a Jo coloca sal nos morangos sem querer? É uma passagem super divertida que está presente no capítulo 11.

Esta passagem nos diz muito mais sobre a personagem – que está toda atrapalhada tentando preparar uma refeição para a família – do que sobre os morangos em si.

Ela tenta se esforçar nesta missão, mas acaba preparando um almoço bizarro, sem graça, sem temperos e com uma sobremesa horrível de morangos com sal que nem o creme conseguiu salvar.

Esse trecho da obra nos fala sobre quem é a Jo, uma garota muito à frente do seu tempo, que não se importava com festas, em se casar, não se interessava em conhecer garotos, não tinha o menor tino para cuidar da casa ou cozinhar e queria saber mesmo era de estudar e escrever e se tornar uma grande escritora.

E é por tamanha importância que eu decidi fazer os Morangos com Cremes de Mulherzinhas.

Morangos com Creme de Mulherzinhas

Esta receita é muito importante para a caracterização da personagem Jo March.

  • 2 caixas de morangos frescos
  • 200 ml de creme de leite fresco
  • 1 colher de sopa de açúcar
  1. Pique os morangos.Na batedeira, bata o creme de leite e a colher de sopa de açúcar até o ponto de chantilly.

    Sirva os morangos com o creme. Se quiser dar uma incrementada, adicione suspiros.

    Aproveite!

Dessert

 

Eu convido você a ler – ou reler – a este clássico livro prestando atenção às menções dos alimentos. Tem muitas passagens interessantes e divertidas que vão te dar a oportunidade de conhecer mais sobre a própria escritora.

E, mais importante, de prestar atenção como a escritora dá às suas mulheres, em muitas situações, grandes oportunidades de refletirem sobre os seus papéis naquela sociedade.

Ah, e vale terminar com uma curiosidade!

O primeiro livro em inglês se chama “Little Women”, ou em tradução literal, “Pequenas Mulheres”, que aborda essa primeira parte da vida das garotas, ainda adolescentes. Então o título fala sobre elas serem jovens. Mas, no Brasil, a obra foi traduzida para “Mulherzinhas”, que tem até um ar perjorativo, não tem?

Bom, deixo essa provocação para vocês.

Espero que tenha gostado! Se curtiu, comenta aqui embaixo me contando o que achou!

Boa leitura e bom apetite!

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